
De certeza que já ouvistes falar de mim. Eu não fiz grandes coisas e a minha vida decorreu numa grande simplicidade. Daí que ache estranha a minha popularidade. Sei, contudo, que muitos se identificaram comigo, com os meus ideais e com o meu estilo de vida. Quero-vos contar a minha história. A ver se vos agrada…
Nasci em 1182, em Assis, uma cidade linda, encostada a um monte e rodeada pela natureza e pela vida. O meu pai, Pedro Bernardone, era um comerciante de tecidos muito rico. Minha mãe chamava-se Pica e era francesa. As minhas farras eram famosas em Assis. Mas, realmente, a única coisa que me emocionava e me fazia parar era a contemplação da natureza que rodeava Assis. Em 1202, como todos os jovens, fui convocado para a guerra, onde caí prisioneiro durante 11 meses. Voltei a casa mais morto que vivo. A prisão e a doença fizeram-me pensar e algo começou a roer-me por dentro. Contudo, quando me senti bem, voltei à vida de sempre.
Num certo dia, estava eu ao balcão da loja do meu pai, aproximou-se um pobre mendigo pedindo “uma esmola por amor de Deus”. Na altura mandei-o embora com maus modos. Mas imediatamente algo começou a mexer-me no coração. Chamei de novo o mendigo e dei-lhe o que pedia, prometendo a mim mesmo que não negaria nada que me pedissem “por amor de Deus”.
Alistei-me nas tropas de Gentile, mas eu próprio estava a viver uma luta interior. Os meus desejos de guerra, de triunfo e de dinheiro, as vozes dos meus amigos, que me consideravam um tipo fixe…chocavam com uma insatisfação que sentia no meu interior. Tinha 23 anos e via o tempo a fugir-me, pensando sempre em desejos que nunca via cumpridos. Não queria esperar mais. Assim, vim embora da guerra, regressei a Assis. Imaginem agora o sermão que ouvi, os comentários que faziam; enfrentar o meu pai, os meus amigos, a minha gente…e enfrentar-me a mim próprio. Eu estava numa grande confusão. Comecei então a frequentar lugares mais solitários. Detinha-me a contemplar os insectos do caminho, as cascas das árvores, a água correndo… Os meus amigos, para me fazerem voltar “ao bom caminho” organizaram uma festa em que fui proclamado “rei da juventude”. Mas eu continuava inquieto.
A luz veio-me dos pobres… Fora da cidade havia vários leprosos, e eu sentia um grande nojo daquelas carnes apodrecidas. Um dia, enquanto caminhava pelos campos, ouvi a campainha de um deles. Decidi-me e fui ao seu encontro, peguei nos seus pulsos com as minhas mãos, olhei-o fixamente e beijei-o. Nesse momento dei-me conta que podia mudar, ser diferente…
Perto de Assis havia uma igreja em ruínas, a igreja de São Damião. Comecei a ir lá depois do trabalho. Ali foram amadurecendo as minhas decisões. Rezava diante de um crucifixo, pedindo ao Senhor que me indicasse o caminho. E senti que aquele Cristo crucificado me falava: “Francisco, conserta a minha Igreja que, como vês, ameaça ruína.” Saí a correr. Aproveitando a ausência do meu pai, vendi os melhores panos para arranjar a igreja de São Damião. Podem imaginar a irritação do meu pai. Tive de me esconder numa gruta durante um mês. Mas saí transformado. Aproximei-me de Assis e confundiram-me como um louco. Ao darem-se conta que era eu, todos ficavam confusos. O meu pai foi ter comigo e foi um grande escândalo. Mandou-me voltar para casa. Disse-lhe que era livre e que só devia obediência ao meu Pai do Céu. Então exigiu-me que devolvesse tudo o que lhe devia. Respondi-lhe que, daqui para a frente, não queria dever nada a ninguém nem ter compromissos que estorvassem a minha liberdade. Ali mesmo tirei as minhas roupas, devolvi-as a meu pai e fiquei nu no meio da praça. Assim, o meu pai repudiou-me e deserdou-me. Saí de casa, sem dinheiro algum, e uni-me à "Irmã Pobreza", quando passei a viver a verdadeira vida apostólica e a pregar o ideal religioso para os fiéis pobres da sociedade medieval.
Naturalmente toda a gente se ria de mim. Mas ao fim de uns anos, alguns dos meus companheiros de farra quiseram-me seguir. Juntávamo-nos e líamos o Evangelho. As palavras de Jesus impressionavam-nos. Éramos já oito companheiros. Clara (que também teve de sair de casa) e outras raparigas quiseram fazer o mesmo e foram para São Damião. Vivíamos na mais absoluta simplicidade, distribuindo o dia entre o trabalho e a oração. Comíamos do que nos davam. Começamos a dar conta do que nos distinguia: a pobreza radical, o desprendimento de tudo, o não depender das coisas para ser felizes. Mas não pensem que foi tudo um mar de rosas.
Em 1210, o Papa Inocêncio III autorizou-me e aos meus onze companheiros a sermos pregadores itinerantes, levando Cristo ao povo com simplicidade e humildade. Deu-se, assim, o início da Ordem dos Frades Menores, que tinha como sede a Capela Porciúncula de Santa Maria dos Anjos, perto de Assis.
Ainda era jovem, mas a vida ia-se acabando. Em 1224 o meu fim estava próximo. Pedi para me retirar para o monte Alverne, com os meus companheiros, como no princípio. Ali senti Jesus Cristo tão perto que me abracei a Ele. Ficaram impressas na minha carne os sinais dos pregos e a chaga do costado. Em 1226, senti-me a morrer e pedi que me levassem para a Porciúncula. No caminho, parámos na leprosaria onde a minha vida tinha começado a mudar. Nos primeiros dias de Outubro pedi que me pusessem nu sobre a terra nua. Queria morrer em total pobreza. A 3 de Outubro, com 45 anos, dei as boas-vindas à “irmã morte”.
Dou graças ao Pai do Céus porque, através da minha pobre pessoa, recorda constantemente aos cristãos de todos os tempos que o caminho da felicidade está na simplicidade do Evangelho de Jesus Cristo. A minha terra considera-me o seu filho mais ilustre: sou o “pobrezinho de Assis”, Francisco de Assis.
Tal como diz Gika Simão, em Vida e obra de Francisco de Assis, “É bom lembrar que há inúmeras biografias impressas sobre este santo, e todas devem ser respeitadas, mas pelo facto de divergirem muitas vezes entre si, coloquei aqui o que achei mais convincente.” Apesar de existirem biografias que divergem entre si, em todas elas está presente uma pessoa, um jovem como nós, um jovem que era muito rico e que se desprendeu de tudo em favor do próximo. Um amante nato da natureza. Um fiel seguidor da palavra de Jesus.
E nós?
E eu?
Até que ponto sou como Francisco de Assis?